Racismo e machismo são o "combustível" do capitalismo brasileiro

01.12.2022

1.º Relatório sobre a Situação da Mulher no Brasil (2020-2022)

 Por Hernán Corbalán (Bauru-SP, Brasil)

Foto de arquivo de um protesto no âmbito do Dia da Mulher, em 8 de março de 2021, em São Paulo (Brasil). 

EFE/Fernando Bizerra

Situação das mulheres no Brasil 


A situação das mulheres em geral no Brasil no período de 2020 até o presente foi, e continua sendo, um esquema permanente de opressão que as sujeita ao racismo, ao desemprego, ao tráfico de pessoas e ao machismo. Tanto nas periferias quanto nos grandes centros urbanos, o caos e a opressão atingem o grupo dos mais marginalizados, como as mulheres negras, indígenas, ribeirinhas e quilombolas.

Primeiramente, é importante descrever que o capitalismo brasileiro é altamente racista, com base em um tipo de racismo estrutural e institucional que faz uma forte distinção quanto ao maior ou menor grau de pigmentação da pele das pessoas. Seguindo esse padrão, elas são caracterizados conforme são mais ou menos pretos. Além disso, há uma significativa distinção entre marrom, preto e retinto. Logo, certos traços fenotípicos como cabelo, cor da pele, tamanho dos lábios e do nariz são tomados como elementos que também definem o nível de opressão e o nível de exclusão das mulheres trabalhadoras.

O racismo, tomado isoladamente ou combinado com outras opressões, funciona como combustível do CAPITALISMO brasileiro e foi aplicado às pessoas não brancas para utilizá-las como mão de obra barata.

Historicamente, a escravidão foi um esquema de super exploração humana que se repetiu em toda a América após a invasão ocidental, também conhecida como "conquista europeia" ou "primeira virada capitalista transoceânica". A partir daí, a base material de sustentação da economia desse país (uma colônia de Portugal para aquele momento histórico) passou a ser o comércio de milhões de pessoas sequestradas na costa da África e vendidas a empresários-latifundiários brancos. A burguesia capitalista brasileira formou-se graças a esse sistema escravista local, valendo-se de leis e decretos que o regulamentaram até 1889. Assim, começaram a ser aplicados dispositivos ideológicos que legitimaram a falsa ideia de inferioridade racial ao longo dos séculos até os dias de hoje.

Atualmente existe toda uma engenharia de propaganda utilizada pelo capitalismo na forma de decepção institucionalizada. A internalização do racismo como uma falsa ideologia de inferioridade baseada na cor da pele constrói nas pessoas uma autopercepção negativa ligada à negritude, o que resulta em tentativas de embranquecer e apagar a identidade negra. Assim, para o "CAPITAL" brasileiro, o racismo e a escravidão se condensam historicamente para obter a mais-valia e uma espécie de acumulação primária local constitutiva.

O trabalho doméstico e a servidão passarão a ser realizados principalmente por mulheres negras (faxineras) no Brasil, tanto no meio rural quanto no urbano. Recentemente, essa atividade foi considerada um serviço essencial pelo Estado, o que significa que não cessou em nenhum momento durante a pandemia de Covid-19. Dessa forma, a vida dessas trabalhadoras ficou super exposta, como há séculos, desde que chegaram como mulheres escravizadas no Brasil.

Diante disso, sabemos que o racismo explícito é proibido pela Constituição brasileira, tendo leis punitivas que condenam, em tese, a opressão racista. Ainda assim, existem práticas de diferenciação muito acentuadas na população e esta situação é mais acentuada no sul do país, onde a maioria da população é branca de ascendência europeia.

Covid-19, super exploração, infecções e mortes

Embora a pandemia da COVID-19 não tenha trazido nada de novo nesse quesito ao que já existia como racismo e outros preconceitos sociais, algumas opressões como homofobia, machismo, racismo e violência doméstica foram bem mais profundas.

Durante os primeiros meses a pandemia em 2020, a primeira pessoa a morrer de COVID-19 foi uma mulher negra que trabalhava como empregada doméstica. Ela era uma trabalhadora que realizava tarefas domésticas na casa de pessoas brancas, as quais contraíram o vírus "Sar Covid 2", após uma viagem à Europa. Ela morreu e seus empregadores não. São essas mulheres negras que estão massivamente em subempregos precários e constituem a grande base de uma pirâmide sobre a qual repousa toda a estrutura excludente.

Centenas de milhares de trabalhadores informais foram demitidos por não poderem ficar em casa cuidando dos filhos, mantendo seus empregos e renda. Embora o governo tenha dado o auxílio emergencial (R$600,00), os valores não cobriram todas as necessidades de alimentação, aluguel, vestimenta, sendo abaixo do salário mínimo (R$1.045,00/2020). Além disso, os isolamentos sanitários preventivos não puderam ser garantidos, uma vez que essas trabalhadoras tiveram que pegar ônibus lotados e com frequência de circulação reduzida, provocando grandes aglomerações nos meios de transporte.

Essa realidade beneficiou os contágios e o aumento do número de mortes, sendo a maioria de pessoas pobres, negros e mulheres. Esses elementos constituem o centro da super exploração capitalista que vigora há séculos. Partindo do contexto histórico de exploração da mão de obra brasileira, existem hoje diversas investigações sociais que afirmam que a violência cresceu enormemente.


Violência/Informalidade, o binômio contra a mulher

Durante o período da pandemia, os homens tiveram que ficar mais tempo em casa, porque muitos deles haviam sido demitidos e também por causa do isolamento preventivo. Desta forma, dispararam os índices de violência doméstica, principalmente contra mulheres trabalhadoras, mães e chefes de família. A ausência de políticas públicas eficientes, seja por ordem do Governo Federal, seja por ordem dos governos estaduais, contribuíram para o aumento do número de infectados. A informalidade laboral deu um salto histórico e chegou a um aumento de 40%. O trabalho doméstico no Brasil tem gênero e raça, são cerca de 6 milhões de pessoas das quais 63% são mulheres negras.

Ao procurar um emprego, as mulheres eram questionadas se tinham marido, se moravam com os maridos, quantos filhos tinham etc. Todo um questionamento machista que se inscreve no imaginário do patrão sob o preconceito de que a mulher sem marido não poderia garantir, naquele contexto, o cuidado dos filhos. Durante certo tempo, a sociedade capitalista brasileira, valendo-se de uma espécie de violência simbólica, delegou às mulheres uma série contínua de tarefas que iam desde manter a casa limpa, cuidar de crianças, idosos doentes, até cuidar de pessoas com qualquer deficiência física ou mental.

Este primeiro e breve relato tem o objetivo de dar uma visão geral dos efeitos que o CAPITALISMO tem ao se aproveitar de toda a estrutura de opressão contra as mulheres, combinando o racismo e o machismo no Brasil para aumentar a taxa de lucro. É assim que se constrói esse verdadeiro "binômio" de exploração contra a classe trabalhadora em geral, e contra a mulher trabalhadora em particular, ao qual devemos acrescentar a LGBTQIfobia que, como dispositivo de opressão, também agrega lucro e aumenta a taxa de exploração todos os dias, em benefício de uma dúzia de famílias ricas que governam o país.

Exploração sexual, mercantilização do corpo da mulher e feminicídios

Distante do que a mídia, o governo e algumas forças políticas de esquerda silenciam, no "Brasil profundo" os índices de feminicídios e estupro, prostituição, turismo sexual, tráfico de pessoas para exploração sexual e assédio no local de trabalho aumentam diariamente.

São milhões os casos de prostituição no Brasil e a oferta de "serviços sexuais" integrados aos circuitos do turismo sexual. Da Organização Internacional do Trabalho (OIT) à grande imprensa europeia, registram e analisam o problema da mercantilização do corpo feminino e os níveis de feminicídios, algo de que nem o PT nem o resto das organizações políticas que se dizem revolucionárias no Brasil denunciam, nem o colocam em sua agenda política como questão fundamental. Segundo o jornal espanhol "EL PAIS": "...mais de quatro brasileiros foram assassinados em ataques sexistas todos os dias em 2020; a cada minuto oito eram agredidas pelo simples fato de serem mulheres. Os dados colocam o Brasil como o quinto país latino-americano em número de feminicídios, com 1,6 por 100 mil habitantes (...) Foram 1.738 mulheres assassinadas, 310 a menos que no ano anterior. Apesar do grave panorama retratado pelas estatísticas, a violência contra a mulher não motivou manifestações de protesto como em outros países da região nem chegou às manchetes de primeira página".

O site digital "EFEminista", do Brasil, no mês de março de 2022, publicou alguns números atualizados, e diz: "...Pelo menos 56.098 mulheres foram estupradas em 2021 no Brasil, um aumento de 3,7% em relação a 2020, o que significa que a cada 10 minutos uma mulher é vítima de abuso sexual no país. No que diz respeito aos feminicídios, embora tenham diminuído 2,4% em 2021, a taxa manteve-se muito semelhante à registrada em 2020, quando 1.351 mulheres foram assassinadas por homicídio, uma a cada 7 horas..."

Muitos casos de feminicídios não são identificados como tal, então o número de mulheres que foram assassinadas pelo fato de terem sido assassinadas deve ser maior, segundo relatórios oficiais. Algumas investigações garantem que há muito mais casos de violência do que os divulgados pelas secretarias regionais de Segurança do governo federal.

No Brasil, todos os governos têm fortalecido historicamente os discursos de mercantilização dos corpos e o racismo contra a mulher, seja por meio das diversas mídias, filmes, novelas, seja pela literatura, propaganda política, música, carnaval, esporte e até mesmo incentivando discursos religiosos com forte nível de opressão ideológica. O próprio presidente Jair Bolsonaro é conhecido por menosprezar publicamente as mulheres e confiar em líderes religiosos protestantes que, por meio de suas pregações, colocam as mulheres em uma posição social inferior aos homens.

Em 8 de março de 2022, foram realizados 44 atos políticos pelo Dia Internacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras no Brasil em diferentes cidades, mas esses atos foram em sua maioria cooptados e dirigidos por setores reformistas que priorizaram as eleições presidenciais em outubro do mesmo ano. Isso não é novidade, pois anos atrás a pauta de reivindicações das mulheres brasileiras foi utilizada para defender um ou outro candidato do governo. Exemplo disso é que o governo de Dilma Rousseff não significou uma mudança qualitativa nas condições gerais de vida de milhões de mulheres trabalhadoras. Ao contrário das promessas de campanha e do que se esperava, NÃO resolveu a questão do direito à creche, regulamentação do emprego, restaurantes públicos, qualificação profissional, investimento na construção de casas-abrigo e proteção às mulheres em situação de risco, nem resolveu definitivamente o trabalho insegurança e o aumento da taxa de exploração.

Antes de finalizar este relatório, é importante observar que Luiz Inácio Lula da Silva, o recém-eleito presidente do Brasil que assumirá o cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023. Durante sua campanha de proselitismo prometeu às massas trabalhadoras um aumento do salário mínimo. Recentemente, foram divulgados os dados que situam esse "aumento" em miseráveis ​​2% em relação ao que Bolsonaro havia programado anteriormente. Não há previsões precisas, nem declarações públicas, de que o novo governo do PT recue com as reformas impostas por Dilma Rousseff, Michael Temer e Jair Bolsonaro, em termos de direitos trabalhistas e de aposentadoria que foram tirados de todos os trabalhadores brasileiros. Tampouco há um compromisso explícito por parte de qualquer candidato eleito de avançar na erradicação de feminicídios, desaparecimentos, estupros e desarticulação de redes de exploração sexual.


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